17 novembro 2008

O encantador de sereias

Estava Bêbado. A constatação poderia ser óbvia depois da terceira garrafa, mas não era como qualquer um. Estava bêbado, mas seus olhos continuavam límpidos, suas mãos não tremiam, seu andar tinha o perfeito equilíbrio de um marinheiro acostumado as altas tempestades do mar.
Ainda assim estava bêbado, e podia ter certeza disso graças a confusão em sua mente. Não sabia onde estava. Nem tinha idéia de onde queria chegar. Olhou para a ponte de um lado para o outro perdendo-se na neblina salpicada de pequenas luzes imóveis que poderiam ser estrelas ou lâmpadas de um mundo escondido a poucos passos. Não sabia se estava indo ou voltando, da direita ou da esquerda. Tudo o que havia de certo era a ponte sob seus pés e o braço de mar abaixo dela. O cheiro inconfundível da água salgada e o ritmo das ondas traziam-lhe uma estranha melancolia. De um lado para o outro, ele ouvia o mar embalando a noite como uma criança em seu colo.
Tinha uma garrafa em sua mão pelo terço e não havia nada a ser feito, exceto bebê-la. Ele se debruçou na amurada e entornou de sua boca doces goles, como beijos que o amor nunca lhe trouxe.
O ar era frio e espectral, polvilhado de idéias que surgiam do álcool. O silêncio o incomodava e para espanta-lo cantou. Sua voz era gasta e mal tratada, mas determinada, resolvida a ser ouvida a todo custo. A musica ganhou o ar da noite como se silenciasse o barulho das ondas. Sem aviso alguém cantou de volta. Assustado ele olhou para os lados buscando a origem da voz, mas não havia ninguém, só um eco difuso, perdido no tempo. Ele ganhou coragem na brincadeira e voltou a cantar, procurando de um lado ou de outro, esperando que um rosto surgisse para reivindicar a voz.
Talvez a bebida estivesse fazendo mais efeito do que pensava, sentia-se etéreo, eufórico. Cantava agora usando o ribombar do sangue em suas veias como base e a canção acelerava, acompanhada daquela voz doce. Estava extasiado. Tudo o que queria era encontrar a dona de sua voz, mas não sabia para que lado ir. Então assustou-se, percebeu que não era uma voz a acompanhar a sua, eram duas, eram muitas. Agora arranjadas como um coro que o circundava. Sua cabeça girava, de onde vinham aquelas pessoas? Sua voz se calou, enquanto procurava respostas. Seus olhos se voltaram para o mar que perdia-se num dos lados da ponte e ele aproximou-se do parapeito, incrédulo.
Algo surgiu das trevas batendo asas como uma grande gaivota, ele gritou mas seu grito pareceu mudo tamanha era a altura das vozes ao seu redor. Assustado se debateu contra asas, garras e um odor fétido de peixe. Cego e amedrontado, confuso e bêbado, desequilibrou-s e caiu da ponte.
Uma a uma as vozes se silenciaram ao ouvir o som de um corpo batendo na água.Na manhã do dia seguinte, quando a neblina desapareceu, os moradores daquela cidade presenciaram uma cena estranha. Caído na beira da praia, trazido pelas ondas da noite, estava o corpo de um homem afogado. E ao seu redor, espalhadas na areia, uma dezena de sereias sem vida.
Autor: Diego Guerra